“A gente sempre falava, pensando em como seria quando a doença chegasse na aldeia. Foi bem complicado, afetou nossa parte cultural. Quando o pajé ficou doente fizemos vários chás, mas não adiantou. Foi lamentável. Apesar de sabermos que ele era bem velhinho, a figura dele representa e é muito importante para nós. Ficamos perdidos. Até hoje estamos nos cuidando, nos preservando para não acontecer o surto de novo.”
A antropóloga destaca que os prejuízos para as sociedades indígenas vão desde o dano aos costumes antigos, até a tristeza que pode se instaurar com as perdas culturais ao longo da pandemia.
“Essa pandemia não pode perdurar muito, temos urgência. É uma urgência de que eles sejam dos grupos prioritários na vacinação porque é essencial que eles vivam para nós vivermos. A gente precisa desnaturalizar a nossa própria sociedade a partir da existência deles. Olhando para esses povos vamos pensar o mundo e as nossas relações de outra forma. Essas sociedades precisam continuar existindo para mostrar para gente o diferente, para pensarmos nisso e aprendermos com eles. Se perdermos os indígenas, todo mundo perde. Precisamos olhar para eles.”
Os idosos são os mais respeitados nas sociedades indígenas, por transmitirem a cultura com a própria história de vida. Entretanto, em meio à pandemia, segundo a especialista, os representantes das etnias estão isolados porque fazem parte do grupo de risco, o que afeta a manutenção das tradições, repassadas a cada geração.
“Essa ausência dos mais velhos e a própria morte dos pajés são muito traumáticas nas lideranças espirituais. A história indígena, propriamente, é construída a partir dessas falas dos mais velhos. O menino guarani não aprende pelos nossos livros, mas com o que os mais velhos contam. Então ficar privado da presença dos mais velhos é um elemento de bastante sofrimento”, explicou a antropóloga.
Conforme o cacique da aldeia Ocoy, encontros com danças e rituais foram suspensos para evitar aglomerações. A reserva tem cerca de 850 pessoas.
“É bem difícil, nem imaginava que seria assim. Mudou bastante a rotina da gente, a parte cultural dos costumes. Nós guaranis gostamos de compartilhar muitas coisas juntos, nossa parte cultural pede por encontros, então tudo isso foi mudando”, contou Celso Jopoty.
De acordo com a antropóloga, que pesquisa a etnologia Guarani há 15 anos, uma das principais características do povo que a compõe é a mobilidade, por isso, o isolamento é uma medida crucial.
“A dificuldade do Guarani se dá, especialmente, por precisar viver isolado, sem poder se movimentar. Eles são famosos na antropologia como ‘povo que caminha’. São caminhantes, em toda sua forma de territorialidade. Nossa sociedade tem dificuldade de entender porque parte deles não para nas terras destinadas, mas é porque a dinâmica de mobilidade está enraizada neles até hoje. É uma sociedade criada para visitar os parentes, mudar as casas de local, estar sempre em movimento. Então o significado de ter que ficar parado deve potencializar a tristeza em um grau muito grande.”
O cacique relatou como, para ele, tem sido difícil não poder sair da aldeia. Uma rotina totalmente diferente de como era antes.
“A gente sente falta. Não vejo a hora de passar isso aí. Como liderança, sinto falta dos encontros dos movimentos indígenas, eu costumava sair muito, mas hoje está tudo parado. Sinto muita saudade disso tudo”, comentou.
Jacqueline também destacou um dos impactos causados na vida dos Kaingang. As mulheres da etnia possuem o costume de ir até as cidades para vender artesanatos com os filhos, mas as medidas de prevenção impedem que isso ocorra neste período.
“Além de ser uma renda, é uma lógica Kaingang que as mulheres ensinem os filhos a produzir o artesanato. Assim, eles criam uma relação com a cidade por meio do artesanato”, disse.
Conforme o governo estadual, o Paraná conta também com a etnia Xetá. A maioria dos indígenas do estado vive em 17 terras demarcadas pelo governo federal, onde recebem assistência médica, odontológica e educação bilíngue.
Fonte: G1 Paraná.